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quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Recomeço






Eu tinha tudo. Popularidade, dinheiro, amigos, tudo o que queriam ter. A minha casa era enorme, um labirinto de aposentos. E eu ainda tinha uma empregada só para mim... Mesmo tendo tudo o que desejava, eu não me sentia totalmente realizada. Essas coisas me provocavam sensações momentâneas, era um afago ao ego. Todos esses mimos não eram para me agradar, mas para compensar a ausência dos meus pais. Não que eles fossem realmente ausentes, é que eles tinham dificuldades em cumprir com a obrigação com a qual se comprometeram por minha causa. Por isso a empregada, a casa grande, tudo o que eu tinha. Óbvio que eu guardava um leve ressentimento por isso, quando eu era criança. Todos os meus amigos e colegas se despediam dos pais, na porta da escola, com um beijo e um abraço, enquanto eu me despedia cordialmente do motorista.

A minha diversão era bancar a detetive, investigando todos os aposentos da casa. Eu acabei tornando-me muito analítica, um aspecto que irritava os meus pais. Não tendo mais o que fazer naquela enorme casa, um professor ia toda tarde lá para treinarmos o meu inglês. Talvez eu não tenha mencionado a minha fluência em alguns idiomas – e inglês é um deles. Com toda essa preparação, eu já tinha um plano. O meu sonho era tornar-me a melhor das melhores médicas, ser requisitada por todos. Claro que sempre estive ciente das implicações consequentes desta minha alternativa, mas um pouco de desafio me tirava daquela rotina exaustiva. Era por isso que eu dava o meu todo, esforçava-me nos mais árduos trabalhos e nos mais simples também. Os meus colegas sempre me olhavam desgostosos quando eu tirava as melhores notas nas avaliações, inclusive os meus amigos. Também pudera, né... eles só se preocupavam com festas, bebidas e relacionamentos – coisas que se me atraíssem, atraíam muito pouco. Eu tinha vida social, mas não posso negar que preferia o aconchego dos meus misteriosos aposentos e a presença da minha gloriosa empregada. 

Ah, Bárbara... Antes de minha empregada, ela era a minha melhor amiga. Sua mãe – a dona Jurema – trabalhou para os meus pais e, na época que minha mãe engravidou, Bárbara tinha apenas sete anos. Foi ela quem cuidara de minha infância, brincava comigo e até lia para mim. Nós criamos um vínculo tão forte que ela acabou por assumir o lugar da mãe quando completou vinte anos. Eu já disse a ela: empregada só na presença dos meus pais. Para mim, ela era a minha companheira. Se os meus pais desconfiassem que, enquanto eles estavam trabalhando ou viajando, eu ajudava a Bárbara nas tarefas, eles surtariam. Quanto ao pensamento deles, eu digo que vivem numa caixa antiquada e lacrada, porque eles se mantinham nos ideais antiguíssimos – ainda tratavam os empregados como escravos e isso me revoltava profundamente. Claro que a minha revolta era inadmissível para eles, por isso eu mantinha algumas máscaras, combinadas com todos que eu fosse envolver nas minhas histórias. 

Às vezes eu ia a algumas festas, mas não tardava a ficar. Por vezes encontrei algum garoto interessante e, naquele vaivém de conversas, acabávamos em outros encontros, até que um namoro fosse anunciado. Tudo o que acontecia eu contava para Bárbara, já que meus pais não perguntavam nada, pois já haviam dado o aviso antes mesmo de eu sair: sem drogas e não invente de chegar em casa bêbada, senão tu nem precisará entrar! Um discurso pra lá de animador, mas eu nem abusava, preferia manter-me sóbria para evitar qualquer transtorno. 

Teve este garoto, uma vez, que me conquistou por completo. Ele tinha jeito com as palavras, aventurava-se a escrever alguns poemas e contos, além de ser inteligentíssimo e lindo. Os nossos encontros eram sempre excitantes, por serem programas diferentes e desafiadores. Ora era uma ida ao cinema, seguida por uma passada na livraria – nós adorávamos cheirar os livros novos, ora era um jantar bem preparado na casa dele, com direito a uma deliciosa leitura. (Os desafios mantenho na lembrança, não é necessário revela-los). Essa nossa relação se estendeu por alguns meses, até que tive de interromper o namoro, porque os meus amados pais resolveram me mandar para o exterior, sem mais nem menos. 

Algumas das manias dele incorporei às minhas. Comecei a escrever coisas aleatórias que me surgiam à cabeça, que mais pareciam o meu diário. Agradei-me com alguns dos resultados, outros estive constantemente alterando detalhes, adicionando outros, sempre um trabalho inacabado. O meu professor de Inglês visitava-me com mais frequência, eu precisava estar preparada para a viagem. Já não aguentava mais tantas perguntas, todos criavam tantas expectativas para mim, até mesmo os meus pais – uma coisa rara de acontecer. 

Os meus amigos ficaram animados com a notícia da minha ida – não sei se era pelo fato de que não me veriam mais por um bom tempo ou porque seria algo grandioso para mim, mas não percebiam a minha falta de vontade de seguir com este plano. Até a Bárbara estava inquieta com isso. Avoada, como diria a dona Jurema, a garota não deixava de tocar no assunto da minha partida. 

- Senta um pouquinho, Bárbara. De tão distraída que tu estás, é capaz de quebrar estes pratos e terei de assistir a minha mãe utilizando um vocabulário péssimo e tendo um infarto. – eu disse. Obediente, Bárbara sentou-se em minha frente. Ela não parava, os olhos dela circulavam pela cozinha e, de repente, ela dizia que tinha de limpar isso ou guardar aquilo. Eu observava o comportamento dela, embora ela não percebesse. 

- Já sabes pra onde tu vais? – perguntou-me ela, sem querer adiar o inevitável. 

- Na verdade, não. Estão mantendo mistério quanto a isso, acho que descobrirei apenas quando tiver de pegar a passagem... Por que, tu sabes de alguma coisa? 

- Talvez eu tenha ouvido um pouco mais do que eu deveria, mas não tenho certeza se foi o que quiseram dizer... 

- Então diga, não prolongue mais a minha curiosidade! – Bárbara riu, hesitou por um instante, mas logo começou a falar. 

- O plano era de te mandar para Califórnia. Quisera eu poder ir para lá... 

- Não entendo o porquê disso agora... 

- Alice, por favor. Este será um sonho teu tornando realidade os teus desejos, guria! Lá existem ótimas faculdades e tenho certeza que te aceitarão! 

- É, mas por que decidiram, de repente, realizar os meus sonhos? Nunca se preocuparam com isso e agora querem me ver feliz? Deve de haver algo por detrás desta história... 

- Quando tu partes? 

- Semana que vem, lamentavelmente. 

- Deixes de ser lamentosa, esta viagem há de revolucionar a tua vida! Não haverá mais amigos meus para te apresentar, agora é só gente importante... 

- Como se tu não fosses importante, não é mesmo Bárbara? Tá, agora chega de conversa, temos de ajeitar as coisas por aqui para quando os meus pais (meus patrões, sussurrou Bárbara) chegarem.

Louça limpa, casa limpa e organizada. Já era hora de eu arranjar algo para relaxar. Num sobressalto, encontro-me com Ivan – aquele certo indivíduo com quem tive de terminar o namoro –, o que me surpreende. Conversamos sobre a minha viagem, expliquei-lhe o motivo do nosso rompimento – assunto sobre o qual ele fora muito compreensivo – e Ivan me conta que já encontrou outro alguém, mas que ela não se compara comigo. Inacreditável, logo ele que pensei ser diferente dos demais, era tão mais igual do que os primeiros namorados... Aquela conversa me transtornou. Óbvio que ninguém se compara a mim, já é um insulto insinuar tal coisa. Naquele instante me decidi: iria à Califórnia, me dedicaria aos estudos. O que me acontecesse seria bônus – dependendo do que fosse, talvez não –, mas aquela seria a minha chance, eu tinha de concordar com Bárbara. 

Dois dias antes da minha partida, os meus amigos foram até a minha casa. A Bárbara combinou com eles, secretamente, uma festa de despedida surpresa. Dançamos, cantamos, comemos e brindamos a minha partida, o meu novo início. Todas aquelas pessoas estavam inquietas, elas riam e falavam alto, dançavam e cantavam em minha volta. Não havia palavras que descrevessem o que eu sentia naquele instante. Surpresa, ansiedade e, mesmo antes, saudade. Esta, por fim, será uma lembrança que guardarei por todo o tempo. Os meus pais, como de costume, estavam ocupados com o trabalho, o que explica a liberdade que Bárbara teve para convidar o pessoal. Eu sentiria falta da Bárbara, das nossas conversas e risadas, das nossas aventuras por aqueles aposentos e das nossas experiências compartilhadas – que foram tantas... 

- Tu vais me escrever, né Alice? 

- Claro, como não! É uma pena tu não poder me acompanhar... Mas quem sabe um anjo te busque para ficar ao meu lado numa bela praia de Califórnia... 

- Quisera eu sonhar tão longe. Mas o meu destino está aqui e daqui não sai. Agora com a tua partida, o meu trabalho não tem propósito para os teus pais. Eu já tenho dinheiro, mais do que suficiente, para continuar com a minha vida. Vou cursar Biomedicina e arranjarei um outro trabalho. 

- Isso é uma beleza! Pois faças, que todo o apoio que tu precisares eu te dou! 

- Tu já fizeste demais para mim, Alice. Comece a tua vida, que a minha eu continuo... Mas não te esqueças de me escrever, quero me sentir como se estivesse lá contigo! 

- Sem dúvida alguma, minha amiga. Pois trates de me dar notícias também. 

- Certamente. Vá, que senão tu perdes o voo. – abracei Bárbara e segui ao embarque. Foram algumas horas no céu, mas parecera uma eternidade. O céu, naquele azul de imensidão, tornava o meu mundo infinito, bem como a saudade instantânea da minha casa. Ali era o começo. Cheguei, finalmente, no apartamento que os meus pais compraram, porque eles não me mandariam à Califórnia para vagar pelas ruas. O apartamento era enorme e lindo, a vista era indescritível. Os vizinhos eram receptivos e logo fiz novas amizades. 

Tu me pediste para te escrever de modo que te fizesse sentir aqui. Bem, cá estou procurando as palavras certas. Mil seiscentos e setenta e oito palavras pra te contar do meu ponto de vista. Mas o que passamos não se coloca em palavras, só restam nas memórias. Um dia, tu me disseste que eu escreveria algo grande e tu estavas certa! Os trabalhos do meu curso – eu consegui vaga em Stanford – são enormes, mas nada impossíveis. Um pouco de desafio, nada de rotina... Queria aproveitar os dias de sol à beira mar com a minha melhor amiga e companheira. Tu não sabes a quantidade de garotos lindos que caminham por aqui. Realmente tu me fazes falta. Enfim, não sei se te fiz sentir aqui comigo, mas espero que sim. É um novo amanhecer, um recomeço para a minha vida e devo isso a ti! Por tudo o que tu me fizeste, eu agradeço carinhosamente, pois não haveria quem o fizesse assim. A ti, minha querida amiga, brindo os meus novos dias.

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